Não havia nenhuma esperança de um
entendimento ali, Donovam iniciou sua dança no meio das chamas.
_ Já que vou me tornar um deus, nada mais
justo do que, como meu último ato no meio dos mortais, eu pôr um fim no arauto
que eu mesmo criei. Colocaremos um grande final em nossa saga; nossa história
vai ser contada de geração em geração e desta forma até mesmo você vai alcançar
imortalidade.
Alam resolveu atacar; saltou sobre o
mestre e ambos foram ao chão trocando murros, o solo fervilhante queimava a
pele do jovem, mas seu mentor parecia não sentir o fogo nem o calor infernal do
lugar; ambos rolavam esmurrando-se mutuamente e enquanto Donovam conjurava mais
fogo e feitiços elementais recitando palavras antigas e proibidas, Alam
lembrava-se de seus amigos, lembrava-se de Eliana, a mulher pela qual se
apaixonou e com quem desejava permanecer. As memórias de uma nova vida e a
perspectiva de um futuro sem o peso de todos os pecados que deixou nas águas do
Rio Rideau; eram tudo o que importava, Deus o tinha acolhido e presenteado com
uma nova oportunidade que lutaria o máximo possível para não perder.
De repente o corpo do mestre se tornou
diferente, a pele parecia incandescente e os olhos como brasas emanavam uma
fúria medonha e incontrolável. O simples toque na pele dele era o suficiente
para abrir uma feria ardente nas mãos do jovem; Draek estava novamente
revelando o elemental do Fogo.
A fúria das labaredas excedeu a barreira
do insuportável, toda a sala parecia uma jaula flamejante, qualquer organismo
vivo ali dentro morreria instantaneamente e teria o corpo reduzido a cinzas,
mas dois homens mantinham-se; um amparado pelos feitiços e o outro, embora não
soubesse, sustentado por uma proteção divina que o tinha levado até ali para
sufocar o dragão dentro da toca do monstro.
_ Alam._ A voz acompanhou o rugido bestial
das chamas_ é chegado o momento.
O rapaz não agüentaria muito tempo mais,
ele olhava para as circunstâncias ao redor e começava a temer.
Ele tentou caminhar mais uma vez, mas foi
alvo de uma lufada de fogo tão violenta que o devolveu ao solo, a espada estava
próxima das mãos. Porém, já faltava força nos braços para usá-la; ele teria que
reduzir a violência das chamas se quisesse ter forças para lutar.
_Donovam aumentou a intensidade, sem
misericórdia; Draek não sabia como era possível que o arauto resistisse tanto;
já estavam em um grau que o próprio Donovam desconhecia, ele mesmo já estava
sentindo o efeito devastador da materialização de tamanha quantidade de magia,
mas não queria correr o risco de falhar em matar o aluno pela segunda vez; o
preço do fracasso era demasiado alto para suas ambições.
Alam se ergueu e o professor convergiu uma
massa considerável de chamas nas mãos, disparando sobre o aluno em seguida como
mais uma lufada chamejante. O jovem não tinha como se defender daquilo e não
conseguiu pensar em outra coisa que não fosse se proteger usando os braços na
frente do rosto.
O suor não aparecia mais, evaporava
instantaneamente, uma leve tontura também já estava se insinuando, mas o rapaz
continuava firme tentando vencer a si, ao fogo e ao adversário.
Donovam sumiu de repente, fora encoberto
por uma parede de labaredas que lambiam o teto também envolto nas mesmas, e por
um momento Alam não o pôde ver mais, seria uma presa fácil para qualquer ataque
se não tivesse um bom contato visual para planejar suas defesas ou esquivas.
O desespero começou a tomar conta dele,
temia não ver mais Eliana, temia não voltar mais ao Brasil, e nem ver as
pessoas que deixou para trás quando resolveu abraçar uma vida de magia.
Na mesma medida em que aqueles sentimentos
cresciam dentro dele, a resistência às chamas diminuía, quanto mais ele se
convencia de que o professor estava obtendo vantagem, mais ele concedia uma
vantagem real ao outro.
Donovam surgiu às costas do arauto e o
segurou fortemente pelos ombros, mas era como se o mestre estivesse revestido
em um manto incandescente; logo a pele do jovem queimou-se e a dor lancinante
foi quase o suficiente para derrubá-lo por completo. Alam caiu novamente com as
mãos no chão, a vista estava embaçada, todo o corpo ardia, as queimaduras
provocadas pelas ásperas línguas de chamas doíam como se fossem punhais com
lâminas quentes fincados sobre a pele.
A voz do dragão do norte reapareceu vinda
de todas as partes, misturada ao barulho enfurecido do lugar:
_Muito embora eu queira, manter seu
sofrimento por mais tempo e puni-lo por tudo que você me fez; o tempo começa a
ficar contra mim, o veneno já esta fazendo efeito.
Alam passou a palma queimada da mão sobre
o rosto ignorando a dor.
Donovam continuou:
_ As cortinas se fecham sobre nós meu
aluno, o crepúsculo de nossas vidas virá em seguida, mas não vou mais prolongar
seu sofrimento. Devo dizer que você me surpreendeu com tamanho controle das
chamas, pensei que você seria consumido muito antes.
Alam tentava se erguer puxando o ar quente
para dentro dos pulmões, mas este não era o suficiente para alimentá-lo. Era
como inalar brasa e enxofre.
Donovam ainda continuava em seu discurso
quando os sentidos do jovem arauto falharam pela primeira vez, uma pane mental;
ele piscou algumas vezes tentando manter o controle, mas já era muito tarde,
desmaiaria e seria consumido implacavelmente pelas chamas.
Balbuciou algo, mas nem ele próprio
entendeu o que dissera. Um aperto no coração foi a última reação física que
sentiu antes de tombar no piso fervente.
A felicidade da vitória tomou conta de
Donovam quando viu seu antigo aluno, o melhor aluno e adversário mais valoroso
cair aparentemente sem vida; as chamas avançaram sobre ele e tomaram o corpo do
vencido com uma velocidade impressionante, em poucos segundos não restaria nada
que lembrasse aquele vigoroso jovem estirado ali. O professor cambaleou sobre
os calcanhares, o poderoso veneno estava cumprindo seu papel e no fundo a única
coisa que Donovam lamentava era não ter dado aquele mesmo fim que dera ao
aluno, para todos os traidores que apoiaram Cortez e ao próprio mago espanhol;
restou apenas se consolar com o fato de que seus partidários fariam tal serviço
movidos pelo mito que se ergueria, o mito do Dragão do norte.
Segundos antes de ser abatido pelas
chamas, pelo cansaço e pela fraqueza Alam teve um vislumbre, algo como um
sonho, mas não era um sonho; era tão real que ele pensou já ter vivido. Em
frações de segundos ele contemplou um episódio inteiro de sua vida, mas ele não
estava só, Eliana também estava com ele e não era algo do passado;
incrivelmente era algo do futuro como uma revelação do que ainda estava
reservado para sua vida.
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